Neva
Há uns anos experienciei um dia verdadeiramente sublime, quando, inesperadamente, nevou em Braga. O extâse foi tal que tive de (tentar) escrever um poema, ou algo parecido, para registar o momento. Este Inverno só vi neve nos picos do Soajo e não tive a oportunidade de presenciar o momento, inexplicável, em que começa a nevar. Para mim, assemelha-se assistir a um nascimento ou a uma morte. A energia no ar torna-se tão forte, tão presente a Existência, que não consigo não me comover.
Como este Inverno está a ser intenso, em todos os sentidos, fica aqui a partilha.
Que esta Neve acalme os nossos corações.
Neva I
Neva.
Do
céu caem pedaços brancos...
Desfazem-se
rapidamente
Mas
são "eternos enquanto duram".
Tudo
pára,
Tudo
escuta,
Tudo
observa...
O
silêncio entre o Céu e a Terra
Exprime-se
através da voz, branda e doce
Da
Neve.
Ela
brilha ao sol e derrete-se no calor das mãos.
As
crianças, as grandes e as pequenas,
Rejubilam
e sentem que nada há de mais belo e divertido!
A
neve é macia,
Ela
é recortada e brilha...
Eu
vi um Cristal perfeito!
A
iluminação da água,
A
sublimação de um
elemento!
E
ela mostra-se para todos nós!
Quando
ela cai,
Tudo
fica suspenso,
Tudo
pára, escuta e olha,
Tudo
é paz, quando neva.
Um
homem não máta outro quando neva,
O
Céu e a Terra não permitem que se rompa o silêncio!
A
neve reina sobre a Terra
Representa
o céu,
O
alto,
O
puro,
O
sublime,
O
que temos de alcançar...
Mas
é tão leve e subtil,
Tão
efémera
Chegaremos
a essa perfeição?
A
esse estado de nada querer,
De
só existir?
A
neve disse-me que sim,
Que
dentro de nós há um Cristal,
Cada
um com a sua forma perfeita,
Aguardando
serenamente,
Condições
para brilhar.
Quando
o Céu e a Terra chegarem a acordo,
O
representante do silêncio vem,
O
Cristal que já foi líquido, que já foi gás,
Agora
é duro e leve, perfeito e desfeito.
Se
dentro de nós o ar está puro,
Ele
pode brilhar à luz do sol.
Chamem-me
nesse instante!
Eu
quero ver, quero estar lá!
Quando
o alto desce ao baixo e
Baixo
sobe ao alto,
A
neve cai e o amor entre o céu e a terra
Expressa-se
aos Homens de bom coração...
Quando
nevar dentro de mim.
Neva II
Não me chega um poema!
A neve caiu e eu vi!
Posso morrer porque a vi!
Vi cristais ao pormenor, formas
perfeitas,
Simétricas, sem estéticas!
Vi céu branco e cortinas esvoaçantes
Dançando ao som do silêncio.
Suspenso. Tudo suspenso.
Tudo à espera.
Nada mais importa...
Que se lixe o trabalho!
Está a nevar!
E as dúvidas, preocupações?
Invejas, confusões?
Neva, neva!
A majestade desceu!
Vamos recebê-la bem.
Mantos brancos cobrem o solo,
Os jardins e praças da cidade,
As árvores do bosque,
As couves do lavrador.
Vem, majestade, vem!
Desce e sussurra-me baixinho,
Qual é o teu segredo?
O que te faz tão doce e leve e meiga?
Como ficaste tão pura e perfeita?
Fizeste dieta, foste a palestras, leste
livros,
Seguiste mestres?
Ou saltaste rochedos, soltaste os
cabelos,
Correste ao vento?
Diz-me, eu não conto a ninguém...
Os homens também não vão querer saber
Quem és.
Assim branca e sublime,
Amam-te todos, nem sabem porquê,
Mas não querem conhecer-te melhor.
Eu quero.
Conta-me que és tu, de onde vens, para
ondes vais,
Conta-me os mistérios e os segredos dos
lugares
Por onde andaste.
Conta-me o que viste, o que aprendeste.
Como te tornaste assim?
Quero essa paz e o meu querer não tem
fim,
Não me deixa em paz (este querer sem
fim).
Cais e tudo pára.
Tudo te admira, ninguém te magoa,
Tudo te respeita,
Porquê? Se és tão frágil e delicada?
Podiam fazer-te maldades,
Vender-te, torturar-te,
Lutar por ti, quem sabe...
Matar-te!
Mas não, todos os Homens páram
E quando olham, no silêncio
Dos seus corações, tu fálas-lhes,
E dizes baixinho:
Eu estou dentro de ti,
E eles acreditam, enquanto te vêem,
Enquanto tu cais, enviada pelo teu pai,
Em missão secreta até à tua mãe.
Quando te vais,
Eles esquecem.Todos te esquecem.
E tu ficas triste,
E só voltas quando te esqueces
Que te esqueceram
E o teu pai faz amor com a tua mãe
E tu renasces sem memórias.
Choras em silêncio. Tu és o silêncio.
Não és difícil de cuidar. És um bebé
doce e frágil,
Todos te querem pegar.
És menino ou menina? Ninguém sabe...
Pareces um dois em um!
Nasces e cresces e morres num só dia.
Quando te vais ficam lembranças e
fotografias.
Mas tu vais triste porque te vão
esquecer,
Já sabes. E tens de ir, não podes
ficar,
Cada coisa no seu tempo!
E o teu tempo é o teu tempo e
Depois vem o sol e as árvores a as flores querem mais
E tu vens também, mas não és bem tu,
És tu transformada, líquida e gasosa,
Tu ainda-não-perfeita, parece que
voltas atrás....
E repetimos vezes sem conta este teu
estado até que,
Um dia, sem ninguém esperar,
Um dia que não esperaste,
Um dia em que o universo se reúne e
conspira,
é decidido que tu vens, again,
E cais, neve, cais no meu coração
E sussurras-me baixinho:
"Deixa-me ficar aqui..."
Eu deixo. Ficas comigo para sempre.
Nunca te esquecerei, prometo.
Um dia serei neve e hei-de cair do céu
E desfazer-me na Terra.
Hei-de ser pisada e amada,
E hei-de cair em alguns corações,
Nos que disserem: "fica aqui..."